Jade Thirlwall pode ter demorado 27 anos para realmente aceitar sua ascendência egípcia-iemenita, mas ela está recuperando o tempo perdido. A cantora compartilhou sua história com a Vogue Arabia.
Eu cresci em uma região chamada Laygate, em South Shields, no Nordeste da Inglaterra. É perto das docas onde muitos árabes trabalham desde 1920. Meu avô, Mohammed, chegou por volta de 1943 do Iêmen. Ele trabalhou como bombeiro na marinha mercante, antes de se tornar um operário nas docas. Foi em South Shields que ele conheceu minha avó, Amelia, cujo pai era do Egito. Eles estavam muito apaixonados e ficaram na cidade costeira. Eles amavam a comunidade árabe e todos permaneceram juntos. Infelizmente, minha avó faleceu quando minha mãe tinha apenas 4 anos, então nunca tive a chance de aprender muito sobre a minha ascendência egípcia, mas meu avô falava muito dela.
Mesmo que meu avô não tenha forçado seus filhos e netos a seguir a religião dele, ele era um muçulmano devoto e queria que soubéssemos de sua fé e cultura. Morávamos perto da mesquita local e ele me contava belas histórias sobre quanto foi a Meca. Ele sempre cozinhava para nós também – eu amava sua sopa de frango com khubz, que é o melhor pão do mundo. Lembro dele jejuando para o Ramadã e, durante o Eid, eu esperava por ele do lado de fora da mesquita e dizia Eid Mubarak para os amigos dele quando saíam, então eles me davam uma moeda.
Era importante para ele que eu aprendesse a ler e a escrever em árabe, então todo sábado eu ia para a escola muçulmana. Tenho boas memórias em relação a isso. Frequentei essa escola dos 8 aos 10 anos, mas, infelizmente, eu era muito nova para entender quão importante é aprender. Também ia para a igreja aos domingos, mas, falando sobre fé, não sei no que acredito. Acho que, talvez, isso é consequência de tantas crenças e opiniões que foram colocadas em mim.
Eu tive uma infância feliz. Minha escola primária foi incrivelmente diversa – tinha muitas pessoas que procuravam por asilo e refugiados de todo o mundo, então eu me sentia parte de lá. Isso mudou quando me tornei adolescente e fui para a escola secundária. Meu avô faleceu e eu senti que perdi uma grande parte de mim. Ele era a pessoa que eu procurava quando me sentia mal. Ele fazia com que eu me sentisse muito orgulhosa de quem eu era – ele era minha ligação de compreensão com a ascendência árabe. Eu me senti sozinha. Na escola, não me encaixava em nenhum grupo e comecei a enfrentar o preconceito e o racismo. Eu era uma das poucas pessoas não brancas na escola, então desde o início eu me senti deslocada.
De onde eu venho, na Inglaterra, se você não é evidentemente branco ou preto, você é colocado nessa classificação como “outra” coisa. Eu costumava ser chamada da palavra que começa com P, que eu não entendia, porque não sou paquistanesa. Também era chamada de miscigenada. Durante uma situação, alguém me prendeu no banheiro e colocou um bindi na minha testa. Havia uma completa falta de educação e compreensão de diferentes raças e crenças. Isso afetou minha saúde mental. Fiquei muito deprimida e isso causou o distúrbio alimentar que eu tive durante a época da escola.
Lembrando do passado, percebo que vivi micro agressões quando era criança, seja nos musicais da minha cidade natal, quando passavam pó branco no meu rosto para que eu me misturasse com o restante do elenco, ou não conseguindo sequer fazer parte, porque não tinha nenhuma pessoa não branca no elenco. Só depois de me mudar para Londres, num ambiente multicultural, que percebi como era confuso.
Tinha 18 anos quando me mudei, logo depois do X Factor, em 2011. Passei de uma pessoa não branca para estar em Londres, onde isso não importava. De repente, fui lançada sob os holofotes [com a Little Mix] e as pessoas não sabiam o que eu era, então eu aceitei. Eu tinha reprimido quem eu era porque não tinha orgulho disso. Fui levada a pensar que deveria ter vergonha da minha identidade, então não falei o suficiente sobre minha ascendência em entrevistas. Fico triste ao pensar nisso agora.
Quando eu era mais nova, não vi muita representatividade de árabes nas revistas ou na TV e, quando via pessoas que pareciam com o meu avô, elas eram muito mal representadas. Existe um estereótipo de muçulmanos sendo terroristas. Hoje eu me arrependo de não ter falado mais sobre isso, mas eu era jovem e tinha medo. Estou tentando compensar agora. Estou mais aberta em ser a voz das pessoas. Acho que isso vez de ser mais confiante consigo mesma, mais curiosa. Minha mãe e eu começamos a olhar mais para a nossa cultura e é algo que está nos aproximando. O movimento Black Lives Matter e a guerra no Iêmen causaram muitos traumas para a minha mãe, que eu acho que reprimiu quem ela era por muito tempo também. Os últimos meses foram muito reveladores para nós. Mais do que nunca, falamos sobre raça e sobre o que somos.
Como adulta, estou me conectando mais com meu lado árabe – é uma pena que eu tenha demorado até agora para entender isso. Ser árabe é algo bonito. Estou tentando aprender mais da língua, na verdade, durante nossa turnê com a Ariana, eu fiz um curso online de árabe. Um dos meus objetivos é aprender a língua para que eu possa viajar mais para o Oriente Médio. Recebo muitas mensagens dos fãs árabes dizendo que se inspiram em mim e é adorável ver a representação positiva de uma mulher árabe na cultura pop. As mensagens foram um dos motivos que me motivaram a explorar quem realmente sou.
Quando eu era mais nova, meu avô costumava a tocar músicas árabes para mim e acho que isso me influenciou. Quando estou no estúdio, as pessoas dizem que percebem minha ascendência árabe, quando eu faço os riffs, eu devo subconscientemente tocá-los no estilo árabe, o que é adorável. Meu avô adorava me ver cantando – essa, com certeza, foi uma das razões que fez com que eu escolhesse a música. Uma das minhas memórias preferidas com ele, foi quando eu comprei um despertador no formato de Meca, que tocava a chamada para a oração. Ele tocou e começou a chorar – isso fez com que eu percebesse o quão poderosa e música pode ser.
Levei muito tempo para aceitar minha ascendência e eu gostaria de ter feito isso antes. Quero que as pessoas saibam que quem você é, é algo bonito – aprenda sobre seus ancestrais e sobre sua ascendência. Isso lhe dá um propósito. É importante para mim usar a minha plataforma para ser uma pessoa melhor e promover a conscientização, especialmente sobre o que está acontecendo agora no Iêmen. Não está sendo falado. Estou me esforçando para ser um modelo melhor para os meus fãs e ser uma artista que eu gostaria de ter visto quando era mais nova.
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Assista a outro trecho da entrevista legendado em nosso canal:
Fonte: Vogue Arabia
Tradução e adaptação: Little Mix Brasil